PANAPLÉIA

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Bem-vindo(a) ao Laboratório de Autoria de Panapléia! À esquerda das postagens, estão meus textos divididos em categorias e temas. À direita, indicações de blogs e as mídias sociais. No rodapé, mimos felinos e os créditos do blog. Boa leitura!

A AGENDA INDISCRETA DO MEU NAMORADO

Duvidei no que os meus olhos viam na agência bancária: a outra de mãos dadas com outro? Com menos de um mês? Será que jogou o traste no lixo? Tive vontade de ir até lá perguntar em qual lixão ela abandonara o troço. De repente, ainda dava para reciclar...

Se eu acreditasse em numerologia diria que dá azar completar 21 anos no dia 21 de janeiro. Pena que não acredito! Se eu acreditasse estaria vingada porque ano que vem o JEG (é a abreviatura do nome dele, não é minha culpa) vai completar 27 anos no dia 27 de agosto. Cruzes!

Na segunda-feira à tarde conversei com Helke e Jussara – descobri que ele já namorou a prima delas – e as duas falaram maravilhosamente bem da praga. Quase me convenceram a perdoá-lo por não ter ido à minha festa na chácara.

– Ele ainda ligou para me babar, o falso. Na realidade, o cretino acredita que o meu aniversário foi no domingo. Acontece que comemoramos antes por pura conveniência. Hoje, segunda-feira, foi, é, será, o “dia D”.

O momento crucial desta data seria ficar cara a cara com o indivíduo e dar uma prensa nele. Resolvi burlar minhas normas de conduta e invadir o território alheio: fui ao trabalho dele. O imbecil é o tesoureiro de uma escola de informática, onde passa os três expedientes. Decidi ir lá à noite por ser menos movimentado. Entrei na tesouraria vestida para matar – literalmente, fui toda de preto: pronta para pousar de viúva no velório dele. O canalha disfarçou muito bem a surpresa, sorrindo me convidou para sentar e explicou:

– Que visita agradável, benzinho! Pena que não vou poder ficar aqui com você – ele me olhava com aquele ar carente de ursinho de pelúcia que caiu do caminhão de mudança. – A diretora me convocou para uma prestação de contas – pela sua voz saudável, a gripe que o impediu de comparecer na véspera não fora tão forte assim.

– Não se incomode, querido. Eu espero – respondi com voz terna. – Todo o tempo do mundo, se for preciso.

– Fique a vontade, benzinho. Se quiser pode ligar a TV, tá?

De onde eu estava podia ver as costas do infame, a porta da diretoria estava aberta e ouvi o arranca rabo que rolava lá dentro. Comecei a torcer baixinho:

– Capa! Estrangula! Esfola! Esquarteja! Mata!

Tudo é divertido até certo ponto. Depois de uma hora ouvindo aquilo estava para sair correndo. Já tinha folheado todas as revistas e livros que encontrei a mão. A vontade de ir embora aumentava e comecei a sentir urticárias de tanto esperar. Contive-me. Não ia perder uma oportunidade destas. Resolvi me distrair empilhando a papelada espalhada sobre a mesa. Ele realmente deveria estar muito preocupado, visto que organização é um dos seus pontos fortes. Quando terminei de arrumar a bagunça, minha atenção se desviou para uma pequena agenda com capa de couro ao lado do telefone. Segurei pela fitinha bege que pendia para fora e abri – acreditando ser uma agenda telefônica da escola. Como um radar meus olhos imediatamente se detiveram num trecho da véspera: Domingo 18h – casa de Juliana. A EX dele?! Creio firmemente que nenhuma dádiva de oratória poderia me fazer explicar a fração de segundo em que meu cérebro decodificou o verdadeiro sentido daquela ingênua e estúpida anotação. O que é que aquele cafajeste foi fazer na casa da ex se ele estava tão doente que não pôde comparecer a minha festa?

– Vou arrancar seus lindos olhos – murmurei.

Passado o choque da informação, passei a folhear a bendita agenda de capa a capa. Que preciosidade! O asno anotou todas as saídas com a outra. Só faltou desenhar coração e escrever “querido diário”. Sabia que ele era organizado, mas não pensei que fosse robotizado. O cretino agenda tudo o que faz, só falta anotar a hora de ir ao banheiro. É o cúmulo da piração! Neste instante ouvi que eles já encerravam o balanço e me apressei em guardar a agenda. Sai da sala antes que ele tivesse tempo de entrar. Atravessei o pátio rapidamente e tranquei-me no banheiro. Precisava de tempo para decidir o que fazer. Estava confusa e não sabia como abordá-lo. Conhecendo o seu poder de persuasão, sei que ele daria um jeito de fazer eu me sentir culpada e ainda se passar por vítima. Não podia encurralá-lo na parede sem admitir que eu invadira a privacidade dele. Demorei a me recompor do choque. A minha consciência me indagava: é guerra ou perdão?

Enfim, sós com o miserável! Percebendo a minha tensão, o infame das costas ocas tentou umas brincadeiras para descontrair, cócegas, tudo. E eu fuzilando-o com os olhos, ainda sem saber que tática adotar. Guerra ou perdão?

– Você está esperando que eu comece, não é?

Balancei a cabeça afirmativamente sem nem encará-lo.

– Mas pelo menos olhe para mim, por favor – aquela “carinha de anjo” solicitou com o ar mais doce e puro do mundo.

Fingi que não ouvi e continuei encarando a parede. Guerra ou perdão?

– Não falo enquanto você não olhar para mim... Gatinha? – meu estômago revirou com o “gatinha” – Você quer saber por que eu não fui para seu aniversário? – ele acreditava realmente que aquele era o único motivo para minha birra.

– Depois das duas mensagens de ultimato, é o mínimo que eu mereço. Não acha, não?

– Ela... Você sabe de quem eu estou falando – senti minhas faces ruborizarem e me odiei por isso.

– Ela me procurou para conversamos e bem, nós resolvemos tentar novamente.

A situação era bem mais séria do que previa a minha vã perspicácia feminina. Esforcei-me para permanecer controlada, não podia me deixar abalar. Ouvi a sua história de trancoso na maior indiferença possível, embora a falsa crise tardia de consciência me provocava ânsia de vômito. O inútil só faltou dizer que a culpa era minha.

– Além do mais, eu sempre reclamei da sua frieza. Quer dizer – ele tentou emendar – não é que você seja fria. Por exemplo, agora, essa sua indiferença – era impressão minha ou o incréu estava desejoso por ter minhas mãos estrangulando-o? –Você é muito racional, muito cautelosa, e isso atrapalha bastante. Quando te conheci, uma atriz... Esperava que você fosse mais criativa e surpreendente. Entenda...

Esperei ele terminar o seu penoso discurso e ataquei – sem revelar minhas fontes, claro – pausadamente sem demonstrar me importar com o fato:

– Quer dizer que a pobrezinha foi atrás do ex, desconsolada, pedir para ter uma nova chance? Por que você resolveu me contar isso só agora se vocês estão juntos há três meses? – fiz uma pausa, mas não obtive resposta. – Afinal de contas, vocês passaram o Natal juntos, não foi? Até levou um buquê de rosas vermelhas para ela. Ou você achava que ia aprontar e eu não ia saber de nada? Conte uma que eu ainda não saiba!

Com essa investida, esperava que o pilantra caísse para trás. Meu ódio aumentou ao ouvi-lo responder com naturalidade:

– Não. Eu não faço nada escondido! Além do mais, todo mundo tem um informante – ele só ignorava que o meu era a agenda dele.

Não esperei por mais agrado. Percebi que precisava sair dali, antes que eu arrancasse os olhos dele e mais alguma coisa. Peguei minha bolsa e fui me dirigindo à porta.

– Espere! Não vá, por favor. Seu presente de aniversário está aqui.

Tive vontade de mandá-lo para onde Roberto Carlos mandou tudo, mas contive-me. Como eu consegui essa proeza? Tantos anos de teatro devem servir para alguma coisa, não? Não recebi o embrulho e dei as costas em silêncio.

– Você não vai nem olhar o que é?

Quase sorri, sabendo que era o livro “Onze Minutos” de Paulo Coelho – tinha visto até o preço na agenda abençoada. O cara de pau ainda me acompanhou até o portão. Tentou se despedir, dar beijinho (eco!) e me abraçar. Como me afastei, o sonso queixou:

– Tá dando choque agora? Tu nunca foi azeda.

– Eu sempre fui azeda – murmurei impaciente para sair dali.

– Nada disso. Antes você era uma carambola, hoje você está um limão – sorriu – Posso te deixar em casa?

– Deixa de ser falso – murmurei para não armar barraco na frente do porteiro.

– Quais dos meus carinhos foram falsos?

– Todos – será que o cachorro além de descarado é doido? Ou o safado só acreditaria que eu estaria ofendida se eu tivesse dado na cara lisa dele?

E lá fui eu, num frio desgraçado esperar ônibus embaixo de uma chuva fina. Ah, que ódio daquele infeliz – ou será que a infeliz era eu? Quando desci no terminal, pela Lei de Murphy a chuva tinha aumentado muito. Tive que andar mais seis quadras com um salto de sete centímetros (eu medi, viu) enfrentando as ruas alagadas e um frio cortante. Chegando em casa – lar, doce lar – meu irmão perguntou:

– Ué? A chuva molhou seu aniversário, pintinho molhado?

MEU ANIVERSÁRIO! Já tinha até esquecido...

– A pior de todas!

– Não, maninha! A pior, não... Podia ser bem pior! Já pensou se teu cabelo tivesse escovado?

Em outra situação teria caído na gargalhada, mas foi o suficiente para cair a ficha. Reagi! Realmente poderia ser bem pior! E viva o Jogo do Contente! Tomei um banho morno, vesti a blusa que ele me deu (com uma foto nossa na frente e atrás escrito: “Tô nem aí!”) e fui jantar uma sopa quentinha.

– Na Tela Quente tá passando uma comédia romântica chata daquelas que parece com você.

– Nesse frio eu aceito qualquer coisa quente. Qual o nome do filme?

– É... A agenda secreta do meu namorado.

– A, o quê?



2005

5 comentários:

  1. Sim, sim, sim, este conto é autobiográfico. Não adianta negar se muitos dos visitantes deste blog conhecem bem essa história em sua versão original. Claro que quando se trata de ficção acabamos tirando daqui e acrescentando dali. O filme foi o mesmo e estava passando na Globo quando cheguei em casa. Ao assistir fiquei indignada por não ter recebido nenhum centavo para ter minha história na telinha (risos).

    GRATA PELA VISITA!

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  2. legal!quando vi o título do conto lembrei do filme e qual minha surpresa ao acabar de ler o dito cujo parabens gostei dei umas risadinhas não se ofenda se ri da sua "desgraça" já que é auto biografico1

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  3. parabéns muito bom!!!!!!!!!!!!!!!!!

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  4. Gostei de participar de um dos seus contos, amiga. Ficou ótimo.

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  5. Como sempre,adoro tudo q vc escreve.E agora que sei do seu blog,vou ler tudinho. Parabens! Pra mim,vc sempre foi uma grande escritora.

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