PANAPLÉIA

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Bem-vindo(a) ao Laboratório de Autoria de Panapléia! À esquerda das postagens, estão meus textos divididos em categorias e temas. À direita, indicações de blogs e as mídias sociais. No rodapé, mimos felinos e os créditos do blog. Boa leitura!

FELIZ ANIVERSÁRIO

Teve a nítida sensação de que o médico estava lhe tratando como se ela fosse um kamikaze. Tudo para ele parecia muito lógico: largar o emprego e mudar de profissão. Qualquer objeção era tratada como tentativa de suicídio.

– Desculpe a interrupção – era a quarta vez que ele atendia a esposa (ou seria a amante?) no celular durante aquela consulta.

Dr. Hugo tentou convencê-la de que o seu restabelecimento dependeria de uma providência emergencial: evitar o estresse, seu companheiro no dia-a-dia da prefeitura. Recebeu várias folhas de receituário: atestado, solicitação de outros exames e receita (para ser feliz?). Ao sair do consultório, permitiu que as lágrimas contidas durante a conversa com o gastroenterologista corressem livremente – não chorava na frente dos outros. Retirou um lenço descartável do estojo dos óculos para enxugar o rosto. Se alguém a visse aos prantos imaginaria que se tratasse de CA ou de CPI. No entanto, não era a gravidade do problema que a abalara, mas a sua absoluta impotência diante dele.

Deixou o carro no estacionamento e foi à rua paralela marcar uma nova endoscopia e outros exames. Chegando à calçada da clínica se deparou com vítimas de um acidente. Como desejou que todas aquelas cores fossem efeitos especiais de filme de terror. Sentiu-se ainda mais frágil, solitária, desprotegida, indefesa. A Dra. CINIRA BOAVENTURA: temida, autoritária, orgulhosa, egocêntrica, insensível, o lobo mal da Câmara de Uruburetama. Por trás da casca grossa e da aparência blindada, era apenas uma mulher cheia de sonhos – ultimamente não almejava nada além de status e muitos votos.

Já se realizara emocionalmente depois de muita dor. Aos dez anos tivera uma primeira-grande-e-não-única decepção amorosa: pedira para uma amiga íntima ser o cúpido entre ela e um colega de sala. Lena, uma gordinha extrovertida, acabou se tornando “infanto-namorada” do garoto. As frustrações se repetiram invariavelmente a cada dez anos. Aos vinte, se apaixonara por um jovem pastor, mudara de religião e depois fora violentada por ele. Aos trinta, o noivo a trocara pela própria sobrinha às vésperas do casamento. Enfim, chegava muito bem casada (e aliviada) ao seu aniversário de quatro décadas. Deixou escapar em voz alta:

– É a lei da compensação – e de lei ela conhecia tudo.

Chegando a recepção, uma enfermeira morena cumprimentou-a sorridente:

– Não reconhece mais as amigas, mocréia?

A voz e o vocabulário eram inconfundíveis; mas Lena estava irreconhecível: alta, esbelta e sedutora. Cinira forçou um sorriso, desculpou-se rapidamente e saiu decidida a não voltar mais ali. Decidiu deixar para a sua secretária resolver isso e dirigiu-se ao estacionamento. Afinal, era o seu aniversário! Tinha horário marcado com a depiladora, a manicura e o (ou “a”) tinturista. Morena não fica velha, fica loira – sorriu.

Há oito anos havia conhecido o deputado estadual Dr. Rasputin, um descendente árabe de quarenta e quatro anos. Desde então, sempre recebera lindas homenagens (um iate batizado de Cinira e até uma chuva de pétalas de rosas por um helicóptero) e presentes valiosíssimos. Já passava das 10h da manhã e o marido ainda não avisara que horas chegaria de Fortaleza. Provavelmente estaria fingindo que esquecera do seu aniversário.

– A curiosidade é como uma muriçoca que pia insistentemente nos ouvidos até você reagir – dizia para seu reflexo no espelho do retrovisor. – Qual será a surpresa deste ano?

Decidiu-lhe fazer uma surpresa ligando para o marido do celular novo (com filmadora) que ganhara da filha Karina.

– Rasputin... – forçou uma voz de disk-sexy. – Meu tigrão!

Ele sorriu do outro lado do estado e respondeu com doçura:

– Oh, oncinha pintada! Agora não posso conversar com calma, amorzinho. Tenho que sair agora para Uruburetama, é o aniversário da coruja oxigenada. Que telefone é esse, delícia?

A coruja não respondeu. Não vira o sinal vermelho.



2005

Um comentário:

  1. Com frequência emprego a ONOMÁSTICA na escolha dos nomes dos personagens. CINIRA, do grego, significa "que geme, que se lamenta, queixoso". Não lembro onde encontrei o nome RASPUTIN, mas me fez imaginar um marido bem mulherengo - putin. LENA, abreviatura de Helena, que a etimologia popular associa a "destruidora de homens" por causa de Helena de Tróia.

    O conflito inicial é um reflexo do susto que tomei quando em 2005 o ortopedista me orientou a parar tudo para salvar a minha coluna. Na época, eu trabalhava em cinco escolas. Foi muito difícil aceitar passar seis meses de molho, mas eu não tinha escolha.

    O resto do texto apenas fluiu. Espero que ninguém tenha vomitado ao terminado de lê-lo.

    GRATA PELA VISITA!

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