PANAPLÉIA

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Bem-vindo(a) ao Laboratório de Autoria de Panapléia! À esquerda das postagens, estão meus textos divididos em categorias e temas. À direita, indicações de blogs e as mídias sociais. No rodapé, mimos felinos e os créditos do blog. Boa leitura!

DRUMMOND OU GARFIELD: EIS A QUESTÃO


O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) afirmou, por meio de sua assessoria, que "a prova do Enem não valoriza, em suas questões de literatura, a memorização de características ou periodização descontextualizada". De acordo com o órgão, o objetivo da prova é avaliar a habilidade do candidato em estabelecer relações entre o texto literário e os contextos histórico, social e político; em relacionar informações sobre concepções artísticas e procedimentos de construção do texto literário; e em reconhecer a presença de valores sociais e humanos no patrimônio literário nacional.

O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), com todas as suas falhas de execução, é um dos melhores avanços que tivemos na Educação em nosso país. A proposta é inovadora e desafia as metodologias arcaicas utilizadas em sala de aula. Alguns alunos foram tão viciados em aulas tradicionais que acreditam que os professores estão "enrolando aula” quando levam músicas e filmes para exibição. Esqueçam o tecnicismo! Chegamos ao século XXI: onde aprender é muito divertido!

Não sou pedagoga para discutir com propriedade o assunto, mas vou enveredar por essa discussão levando em conta minha experiência de 15 anos de sala de aula – só em cursinhos pré-vestibulares já passei uma década. Existe uma onda de pânico entre os professores pelo Enem desmotivar a leitura dos clássicos. Acredito mesmo que esses livros deveriam ser proibidos (quem sabe assim os alunos se interessariam em conhecê-los).

Será que adianta ler um livro imenso para cumprir tabela, não compreender a história e ficar odiando o autor por isso? Sempre digo aos meus alunos que leitura é como se alimentar: bebês não começam pela rapadura, mesmo ela sendo doce. Se há candidatos que não conseguem interpretar uma mísera tirinha da Mafalda, imagine uma Clarice Lispector. Pelo "amordedeus", professores-sem-noção, descubram qual o nível de leitura dos seus alunos antes de indicar (obrigar nunca!) uma obra. Se a turma acha Alencar um tédio, encontrem uma forma de estimulá-los com adaptações literárias ou cinematográficas. Chega de estupro intelectual, seus nazistas!

Os clássicos entraram na minha vida na adolescência e me conquistaram para sempre. No entanto, terei que ser tolerante se tenho em minha turma um João de 40 anos que não sabe 90% do vocabulário de Guimarães Rosa. Um dia, talvez ele amadureça suas leituras, esteja apto a ler o outro João e se embrenhe pelas veredas do grande sertão. Ou talvez isso nunca aconteça e nem por isso ele será menos capacitado para realizar suas tarefas profissionais.

Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) com base nas questões do Enem de 1998 a 2010 aponta:
·         Poesias e letras de canções aparecem em 42% das questões;
·         Histórias em quadrinhos ocupam 19% do teste;
·         Textos literários e semiliterários em 13% da prova;
·         Romances estão presentes em 12% das perguntas;
·         Contos em apenas 3%.

Para quem devora até lista telefônica e bulas de remédios, como eu, pouco importa quem está no topo dessa lista porque o que vale é o prazer. Se o meu aluno irá ouvir músicas melhores e se deliciar com gibis, aplausos. O produto artísitico empregado, o valor que lhe é atribuído no mercado, a seriedade do tema, pouco importa. Quero que ele se apaixone pela produção artística de qualidade – não importando o gênero!

A mesma pesquisa indica os autores que mais aparecem:
  • Drummond (meu amor, meu amor, meu amor...) 19 vezes;
  • Bandeira (oh, amigo do rei, me leve para Pasárgada...) 07 vezes;
  • Machado de Assis, mais clássico impossível, também 07 vezes;
  • Graciliano Ramos, cabra da peste arretado, aparece apenas 03 vezes;
  • João Cabral de Melo Neto, irmão das almas, apenas 03 vezes também.
Se fosse para satisfazer o ego dos professores eu teria um chilique agorinha: cadê os autores portugueses? E Fernando Pessoa, razão da minha insignificante existência? Não, peraí, o Enem não foi pensado para agradar os literatas. Que se danem os gostos pessoais de cada um!

Já as histórias em quadrinhos trazem um empate com 04 questões para cada:
  • Jim Davis (Garfield, eu te amo... Garfield, eu te amo...);
  • Bob Thaves com a tira de Frank e Ernest.
“É melhor ler com autonomia o Garfield do que decorar clássicos”, provoca Edir Alonso, Prof. de Literatura do Cursinho Universitário de Porto Alegre (RS). "Acho que a prova do Enem precisa evoluir. Pode e deve ampliar o espaço dedicado à leitura e compreensão do texto literário na prova. Mas ainda assim, me parece ser uma proposta avaliativa mais interessante", afirma. Ele acredita que isso não significa que a academia deva se conformar apenas com a leitura de tirinhas e canções populares, mas ressalta que não se pode negar que elas são uma forma legítima de aproximar a prova do universo cultural da maioria dos candidatos. "A imposição de um rol de leituras obrigatórias que contemple Os Lusíadas ou O Uraguai mostra uma universidade incapaz de dialogar com o jovem leitor. Nesse sentido, presta um desserviço à formação cultural do vestibulando, o qual passa a associar o fenômeno literário a algo enfadonho, distante. O modelo de avaliação tradicional, com base na leitura dos clássicos, acaba por enfrentar uma dura realidade: está distante da vida do jovem leitor médio", completa.

Manoel Neves de Belo Horizonte (MG) que desenvolve pesquisa em Literatura para Cursos Pré-Vestibulares discorda do uso de tiras e quadrinhos no teste, mas considera a prova muito bem elaborada. "Ela contempla tanto elementos da teoria quanto da história. Para responder às questões, é preciso ter noções desses dois campos", diz. Como exemplo, analisa o Enem de 2009. "Naquele ano, apareceram questões que contemplavam conhecimentos específicos de Teoria Literária, como a noção de espaço narrativo na questão envolvendo os textos de Dalton Trevisan e Jorge Amado", explica. Neves também cita uma pergunta sobre o soneto de Álvares de Azevedo que abordava especificamente os conhecimentos acerca do tratamento dado por esse poeta à desilusão amorosa. "Sem a leitura do poema e o conhecimento de como a decepção amorosa é tratada no Romantismo e nos textos do autor da Lira dos vinte anos, seria impossível resolver a questões", afirma. "O Enem cobra uma compreensão aprofundada dos aspectos técnicos, históricos e temáticos da Literatura brasileira. O que a prova demanda dos alunos é a capacidade de perceber tais elementos”, explica completando que não se trata de ler um livro e decorar os elementos históricos, temáticos e formais, mas de conferir a capacidade que o aluno tem de perceber esses elementos em qualquer texto.

Augusto Fisher, professor da UFRGS, acredita que os resultados dessa pesquisa são assustadores. Na visão dele, o fato pode prejudicar o ensino literário, uma vez que o Ensino Médio se molda à demanda do processo seletivo de ingresso às universidades. "Na escola brasileira, a Literatura tem sido porta de acesso não apenas a livros, mas também a outras artes. Sem isso, me parece que vamos perder esse acesso, além de perdermos parte importante, talvez fundamental, da formação cultural dos alunos nesses campos. O Enem prestigia mais a literatura enquanto leitura do que a literatura enquanto aprendizagem cultural", afirma.  De acordo com suas análises, pensar a Literatura como cultura exige mais complexidade, uma vez que um texto será analisado pelo conhecimento da sua história, enredo e características do autor. "As duas são imprescindíveis, mas a prova foca somente em uma. Com esse privilégio à leitura, se perde muita coisa do vasto patrimônio cultural letrado que já existe e ao qual todos devem ter acesso na escola", defende. "Acredito no sistema do Enem de desprezar a decoreba de certos vestibulares, mas o caso é que a prova trata o texto literário como um texto qualquer. Um poema de Drummond, por exemplo, é colocado no mesmo nível de uma tira em quadrinhos", completa o professor.

Respeito à opinião do professor da UFRGS, mas mesmo amando DEUS no céu e Drummond na terra, afirmo sem ruborizar: só o Garfield é capaz de curar toda e qualquer tristeza que eu tenha. Salve, Jim Davis!

Ontem minha sobrinha me falava das equações de 2º grau e eu fiz uma careta monstruosa. Nunca aprendi e nunca me fez falta. Já o que a Literatura me deu e me dá todos os dias, não tem dinheiro que compre. Isso que para mim é o caminho da felicidade serve para quantos? Vamos ser conscientes só um pouquinho? Perder essa mania parnasiana, elitista e preconceituosa de rotular o útil e o inútil? Bom senso é imprescindível e lucidez só ajuda. 

Queridos alunos, fiquem livres para lerem quem quiserem e quando puderem. Leiam as cores do amanhecer, o sorriso do padeiro, o rosto do leiteiro, as placas de trânsito, o ar de insatisfação do cliente, o jornal do dia, o manual de instruções do novo equipamento, o torpedo da namorada, o e-mail da amante, a revista de mulher pelada, o romance policial... Leiam o que faz sentido em suas vidas. Quando menos perceberem, vocês estarão devorando clássicos por prazer e não por obrigação!




| 2011 |

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