“Ampliemos
os limites da criação, desafiemos as barreiras do comodismo, continuemos
rompendo velhos tabus, façamos da liberdade criativa, da liberdade de
expressão, a grande ferramenta de transformação do nosso país.” Dilma Rousseff na abertura da II CNC.
Assunto que tem palavras da “patroa”
da nação como epígrafe exige linhas sérias. Vacilo por ser irreverente:
1ª
TENTATIVA:
Caro contribuinte, você
sabia que as leis que regem nosso país estão mais desatualizadas que o
guarda-roupa da sua avó? Quer ler um exemplo? Outro dia ouvi, embasbacada, a
história de um aposentado que terá que devolver aos cofres públicos uma quantia
próxima a trinta salários mínimos porque nos últimos mil anos ele havia
recebido uma quantia acima do que tinha direito por erro do “sistema”, o vilão
de todos os males modernos. Quando não há “sistema” para o banco dos réus,
culpamos o país. O Brasil não toma conta das nossas crianças, dos nossos
idosos, dos nossos prédios históricos, não retira o lixo das ruas – como se o
lixo saísse por aí sozinho e resolvesse se instalar em locais públicos para
tomar sol.
2ª
TENTATIVA:
Brasília discute os
interesses nacionais em pequenas cúpulas, enquanto os brasileiros assiduamente
acompanham as peraltices do Jô Suado.
Há mais vigilantes atentos à fortuna de Griseldinha
(Pereirão) do que aos cofres públicos. “Mas todos acreditam no futuro da
nação”, Renato!
Reclamar depois que a nova
Lei tiver sido promulgada será tarde demais. Aí teremos que esperar mais duas
décadas por outra oportunidade? Como você gostaria que o Ministério da Cultura
investisse o dinheiro público? O congresso pode reformular as leis sem a sua
participação?
3ª
TENTATIVA:
Mês passado fui convidada
por ex-alunos para falar sobre Cultura Popular na UFC. Feliz por encontrar
tantos rostos familiares dos cursinhos dentro da universidade, pesquisando e
difundindo suas descobertas. Também pude perceber com alguma tristeza que
aqueles jovens apaixonados pelo Jornalismo ainda estavam muito mais arraigados
às teorias do que à realidade. E eu, bancando a educadora que não perde a
boiada por falta de grito (mesmo que perca a voz antes dos 35), fui instigá-los
a pesquisar sobre Economia da Cultura ao invés de ficar lambendo a produção
artística caririense.
Fico me perguntando por
que tiraram as aulas de Organização Social e Política Brasileira (OSPB) das
escolas antes de nos ensinarem que as empresas que financiam eventos expondo
seus nomes em letras garrafais geralmente o fazem com dinheiro público – isento
do IR. Quantos cidadãos alfabetizados ignoram que as cartelas de créditos dos
filmes nacionais saem dos seus bolsos?
4ª
TENTATIVA:
Com a implantação do Ministério
da Cultura vieram algumas conquistas: a implantação
de Políticas Públicas, os mecanismos de incentivo, o início da democratização
dos editais, entre outros. No entanto, cresceram as carências de conhecimento
do trato com a burocracia do setor, agravado pela diversidade regional e a
complexidade das leis e editais. A desatualização da Lei Rouanet alimenta o monopólio
de projetos milionários, como podemos observar na listagem dos proponentes que
mais captaram recursos em 2010:
→ Instituto Cultural Itaú = R$ 26.600.000,00
→ Fundação Bienal São Paulo = R$ 16.951.314,00
→ H Mellilo Comunicação e Marketing = R$
13.347.274,00
→ Museu de Arte de São Paulo Assis
Chateaubriand = R$ 12.771.500,00
→ Ass. Amigos Teatro Municipal do RJ = R$
12.361.006,00
→ Fundação Orquestra Sinfônica Brasileira = R$
12.170.048,00
→ Fundação Orquestra Sinfônica de São Paulo =
R$ 10.561.910,00
→ T4F Entretenimento = R$ 10.156.500,00
Ao propor desde 2008 a
reforma da Lei Nº 8.313/91, o MinC reconhece as fragilidades do mecanismo:
• Não traduz o atual
momento da Cultura Brasileira;
• Permite 100% de
abatimento do investimento para alguns segmentos;
• Terceiriza para a
iniciativa privada a definição dos investimentos;
• Promove a concentração de
recursos em 2 estados brasileiros: Rio e São Paulo;
• Não estimula a parceria
entre governo e empresários;
• Exige uma estrutura
pesada e onerosa de análise de projetos;
• Dificulta o
acompanhamento da realização dos projetos;
• Exclui agentes culturais
que não têm acesso aos patrocinadores;
• Torna o produtor refém
dos recursos incentivados;
• Não permite políticas
compensatórias por parte do Estado.
O debate para as mudanças
é longo e polêmico. A grande fragilidade estrutural da Rouanet é constranger o
universo cultural a se financiar no prazo de 12 meses. Pela sua natureza, atividades
culturais demandam investimentos e programas de longa duração. Diante disso, se
fortalece aquilo que o historiador Günter
denomina “tendência à eventomania”. Atualmente:
→ O MinC discorda da forma
de participação por meio de colegiados setoriais porque teria de fazer eleição
direta no país todo;
→ Itens importantes do
projeto, como acessibilidade gratuita, ainda não têm tratamento de relevo no
texto proposto;
→ Governo também discorda
do MinC de Juca/Gil na questão dos Ficarts,
pelo texto original atividades de retorno comercial terão 100% de
renúncia;
→ MinC pretende modificar
lei no que diz respeito à produção independente, por achar que conceito de “independente”
é frágil e polissêmico;
→ A pontuação estabelecida
no texto para índices diferenciados de renúncia deveria ser assunto de decreto
ou instrução normativa;
→ Elevação de 15% para 25%
de despesas com o projeto, incluindo captação, poderá encarecer de novo o sistema.
Num país de tantas
diversidades como o Brasil, ainda há quem defenda que projetos culturais devam
ser tratados de um modo linear pelas leis de incentivo. Não há como tratar com
igualdade aqueles que por natureza são desiguais. Justamente pela heterogeneidade,
os mercados culturais precisam ser operacionalizados através do exercício de
políticas que respeitem as características de cada segmento.
5ª
TENTATIVA:
Madrugada de 23 de
dezembro de 2011, aniversário de 20 anos da Lei Rouanet, já tentei dormir
várias vezes. Infelizmente, nerd que sou, dever não cumprido é algo que impede
minha consciência de desligar. Não consigo me abandonar a Morfeu, enquanto não quito as obrigações – pelo menos o calendário
da disciplina de Economia da Cultura. De modo que eu poderia estar sonhando com
o Richard Gere (de preferência com aquela voz dublada), poderia estar me
dedicando a qualquer outra atividade prazerosa noturna... Mas ao invés disso, ignorando
o meu corpo que pede cama, levantei para estudar sobre um assunto que me
desperta os piores arrepios: dinheiro público. Minha ressaca moral é tamanha
que só discuto as propostas de candidatos em família para impedir que meus pais
troquem seus votos por sorrisos em calendários.
Já postei sobre o polêmico
blog da Maria Bethania (E o palhaçoquem é?), mas depois procurei me manter longe das discussões políticas, reservando-as
para quem conhece profundamente o tema. No momento em que uma “infinita massa
de iletrados” ignora as propostas para requentar a Rouanet, sou obrigada a
colaborar com um dentinho de alho. Melhor do que arrependida pela minha omissão
cantarolar depois: “parabéns coronéis vocês venceram outra vez, o congresso
continua a serviço de vocês”.
Essa postagem não tem a
pretensão de sugerir soluções para os experts, não é uma tentativa de condenar
os projetos que já foram aprovados ou de contabilizar os danos ao erário. É um alarme
para despertar os sonolentos a tempo de atravessarmos juntos este portal: a
oportunidade de beneficiarmos artistas e produtores que sobrevivem por milagre.
Sabe o artesão que vende
lindas miniaturas de madeira na pracinha da sua cidade? O Zé merece sobreviver
do seu talento, das suas invencionices, é o seu direito legítimo a
criatividade. Se não conseguir pagar o aluguel, a feira, a água e a luz com
aquelas obras tão bem esculpidas, ele talvez se torne mais um gari infeliz, um
porteiro mal-educado, um carregador estúpido ou um encanador incompetente. Aquele
artista precisa de produtores, de captadores de recursos, de contadores, de
empresários e de toda uma cadeia produtiva que alavanque os pequenos. O Zé
precisa da Rouanet, mas ela precisa ser reformulada!
A Lei Nº 8.313/91 (desatuaaaaa...
aaatchim!), em alguns casos, é tão inoperante e ineficiente que subestima nosso
bom senso. E não me toquem no Rock in Rio, nem no Circo de Soleil, nem nas
pernas da Ivete Sangalo... É preciso
desenvolver ações eficazes e criar instrumentos que se somem aos já existentes.
As soluções estão muito mais em ações complementares à Rouanet do que nela
própria. Devemos reformá-la, mas não aboli-la, pois os benefícios obtidos foram
muito superiores às distorções produzidas.
Do jeito que para mim foi
incômodo deixar minha cama e meus travesseiros no meio da madrugada para
exercer minha cidadania, espero que você se incomode o mínimo possível. O
suficiente para tirar os olhos dos programas de auditório e reparar um pouco
nas atividades culturais promovidas com verba federal. Por alguns minutos, não
curta nada no facebook, nem retwitte ninguém. Vá até o site do MinC e descubra
porque a reforma da Rouanet poderá melhorar sua qualidade de vida e quiçá a dos
seus descendentes; num país – otimista que sou – que valorizará a riqueza de
sua diversidade cultural e oferecerá a todo cidadão oportunidades idênticas de
entretenimento.
Além das mudanças mais
evidentes e técnicas, espero que nossas políticas culturais amadureçam até o
Pré-Modernismo. Isso mesmo! Pelo menos ao ponto de incentivar a Arte de outro
protagonista: o brasileiro sem estrangeirismos. Não o parvo reprodutor de “bate
estacas” num inglês inventado de quem mal aprendeu a língua pátria; nem o engravatado
vestido em ternos “made in China” sob 40º para bajular japoneses; muito menos o
praiano atingido pelo complexo de Havaí: “eu moro onde você passa as férias”! Mas
o brasileiro que conta causos de Jeca Tatu e de Pedro Malazartes; aquele que conserva
raízes folclóricas, africanas ou indígenas.
Se no Ceará nasceu a
Padaria Espiritual, pioneira de uma Literatura nacionalista, espero que a Lei
de nome estrangeiro passe a ter nome nordestino para corrigir nossa síndrome de
Narciso às avessas. Padeiros cearenses já fermentam o MinC... Feliz Rouanet
para todos!
Campanhas satíricas não colaboram com a reforma. |
Informe-se no artigo de Henilton Menezes, secretário da Sefic/MinC:
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