PANAPLÉIA

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Bem-vindo(a) ao Laboratório de Autoria de Panapléia! À esquerda das postagens, estão meus textos divididos em categorias e temas. À direita, indicações de blogs e as mídias sociais. No rodapé, mimos felinos e os créditos do blog. Boa leitura!

ASSISTÊNCIA MÉ(R)DICA PERIGOSA

  
Juliano doente é sempre uma tormenta. Depois de duas noites de plantões veterinários amanheci com uma forte crise de garganta – típica em mim durante as mudanças climáticas. Rolei na cama a manhã toda até ter coragem para me arrastar até a clínica mais próxima.
Quando enfim cheguei à C. S. M. não fui atendida porque a plantonista estava no centro cirúrgico. Como ela já me acompanha há alguns anos, resolvi voltar para meu retiro doméstico e aguardar. No retorno para casa um chuvisco de verão promoveu o mormaço ideal para minha crise alérgica.
Às 15h, como não aguentava emitir mais do que grunhidos, pedi para minha sobrinha telefonar para confirmar a consulta de “emergência”.
– Venha daqui a uma hora.
Enquanto isso, Juliano que havia saído para o veterinário meio-dia continuava na clínica esperando há 4h para tomar uma injeção. O SUS dos bichos? Ai, Juli, desculpa! Esqueci que você é gente! Oh, meu filhinho, mamãe não quis dizer isso. Não, não esqueci que você é ser humano também. (Agora ele não precisa só de veterinário, precisa também de terapeuta.)
Às 16h estava de volta à recepção para o atendimento de “emergência”. Tive 60 minutos para elaborar mentalmente uma tese de mestrado sobre as luzes da árvore de Natal. Meu objetivo seria comprovar que elas piscavam no mesmo ritmo que a música ambiente – versões instrumentais do repertório do rei.
– Quem é Paula Izabela? Passamos o cartão da Amil seis vezes, mas não reconhece. Ligamos para a Amil, mas eles disseram que lá seu código também não é reconhecido.
Oito pares de olhos me olhando como se fosse a estelionatária do ano. Liguei para o RH do SESC.
– Paula Izabela, vamos ligar para a Amil e retornamos para você.
Dez minutos depois insisti com o RH do SESC.
– Paula Izabela, você está passando mal?
– Hum?
– Ligamos para a Amil, mas como já passa das 17h não estão atendendo ao telefone.
– Quer dizer que só amanhã?!
– Na verdade, só na segunda. Amanhã é sábado.
– Hum?
– Mas como você não está passando mal, tente outra clínica. Isso sempre acontece aí na C. S. M.
Olhei para as luzes piscando e me senti num daqueles filmes natalinos, onde os absurdos se seguem linearmente. O dia ainda estava claro, apesar das nuvens negras. Isso não era bom sinal: nesses filmes enlatados a vida só entra nos eixos depois da meia-noite.
Minha sobrinha me acompanhou até uma pizzaria, tomamos uma jarra de suco de laranja sem gelo – ela gripada. Seguimos a pé na contramão dos comerciários que voltavam para casa. O céu enegreceu rapidamente. Entramos numa loja de importados e compramos um guarda-chuva azul – a cor preferida dela. Quando o temporal começou com fortes ventos, a minha pequena sombrinha cinza ficou torta e o enorme guarda-chuva azul se tornou impotente.  Antes que ficássemos molhadas, entramos numa loja de calçados. Começaram a baixar os portões – como eu imagino que teria acontecido no cinema. Já que estávamos num filme de Natal, fiz sinal para Tallyta escolher uma mochila escolar e também um tênis. Isso nos abrigou na loja até a enxurrada lá fora cessar.
Quando tivemos a brilhante ideia de voltar às ruas, a chuva e os ventos recomeçaram. Entramos numa farmácia, comprei antigripais, pastilhas e sais de fruta. Teríamos enrolado mais meia hora se eles não tivessem começado a baixar os portões. Voltamos para a chuva, para os ventos e para as ruas cheias de lama. Ainda pensei em aguardar um pouco no banco, mas era bem provável que aparecesse um vigilante para fechar a agência 24h.
Na C. S. J. a recepcionista foi educada e simpática, facilitando meu cadastro – era a primeira vez que ia ali como paciente. Meu celular tocou, imaginei que fosse uma das minhas coordenadoras para dizer que se eu estava fazendo compras no centro, também já podia ir dar aula. Fiz sinal para minha sobrinha atender.
– Quando é que minha tia volta pra casa? Não, não sei... Ah, você é ex-aluna dela e quer um livro do vestibular emprestado?
Aluno é um ser que definitivamente não sabe a diferença entre biblioteca pessoal e biblioteca pública. Tenho em casa pouco mais de 600 livros. Tenho por semestre cerca de 400 alunos – calculo por semestre porque cursinho tem uma clientela móvel (não me expressei mal, estou frescando mesmo). Digamos que em 15 anos de sala de aula eu já tenha tido pelo menos 10 mil alunos. Agora calcule se eu emprestasse meus livros.
A mesma jovem lindíssima e bem vestida, mais parecia uma recepcionista de uma revista de moda, me acompanhou até a enfermaria. Verificaram minha pressão: 12/8 pela primeira vez na vida, é sempre baixíssima. Febre não tinha. Uma senhora sexagenária de boa aparência, saiu da consulta abanando a cabeça negativamente.
– Eu disse a ele que sou alérgica a dipirona. Eu disse duas vezes. Como é que ele manda aplicar? Eu vou ligar para os meus filhos agora!
A enfermeira levou-a para uma sala reservada antes que os pacientes da sala de espera começassem um motim. Eu, na falta de uma árvore de Natal para analisar, comecei a investigar as funções do meu celular comprado há dois anos e ainda uma incógnita para mim. Como num filme natalino algo de bom aconteceu para me fazer acreditar (ainda) no Papai Noel: opera mini. (Abafa o caso que eu não sabia usar a internet no MEU celular.) Esbravejei no twitter e no facebook; vi e-mails, meu blog e o site do MinC; pesquisei sobre Camilo Pessanha...
– Paula Izabela!
Confesso que estava curiosa para conhecer a Besta. Nesse acaso a má impressão já se arregimentara antes da primeira vista. Entrei no consultório já sabendo que eu era a última paciente do plantão e portanto ele tentaria se livrar de mim logo.
– Você está doente, Paula?
Era a confirmação da profecia da Besta. Tive vontade de dizer que tinha ido ali fazer uma limpeza dentária, mas me atrasei por conta da chuva. Como não encontrei o dentista às 20h resolvi tentar o atendimento de emergência. Melhor do que perder a viagem, né?
– Crise de garganta! Eu tenho rinite...
– Mas você nem está rouca... – a Besta me interrompeu abruptamente.
– Estou com muita dor na garganta.
– Está com secreção amarelada?
Eco! Fiz que não com a cabeça.
– Febre você não tem. Coriza pelo menos?
Onde é que aquela Besta queria chegar com aquelas perguntas bestas?
– Só estou com dor na garganta, o nariz ressecado e dor no corpo.
– Tomou algum remédio em casa para a tosse?
– Que tosse? – aquilo era mais surreal do que pastelão de Holywood.
– Você disse que estava com muita tosse seca.
– Eu disse a quem?
– Sim, disse. Aqui ó. Já coloquei na sua ficha – a besta apontou a tela do computador – Tomou mais algum remédio?
– Dei massagem de transpulmin na garganta, é o remédio que uso há anos.
– E a secreção nasal é de que cor?
Uma Besta obcecada por catarro!
– Fico com o nariz ressecado durante a mudança de clima e uso rinosoro.
– Mas isso aí é só soro. Perguntei se usa remédio, não soro.
É só respirar devagar que passa. Gritar eu não conseguiria. Tinha que focar no meu objetivo. Tomar a medicação hospitalar, conseguir a receita para o antiinflamatório e o atestado do dia.
– Está com falta de apetite?
– Não. Apenas quando estou com crise de garganta perco o paladar.
– Então, está com falta de apetite... – começou a digitar na minha ficha.
– Ei, eu não falei isso! Só falei que estou com o paladar alterado.
– Mas se não está com falta de apetite não é virose.
– O quê?!
– Vou examinar sua garganta, pode ser que tenha bastante secreção.
Com uma espátula de madeira a Besta averiguou minha garganta e deu o veredito:
– Não tem nada aí. Nem vermelho está.
– E por que é que hoje eu estou com dor de garganta desde que acordei?
– Ah, então, começou hoje?
– Foi, claro!
– Eu achei que já estava assim com uma semana... As pessoas geralmente esperam uma semana para procurar o médico. Isso aí pode evoluir. Sabe como é...
– Não sei, não. Evoluir como? – eu já estava exaltada, embora minha voz débil não demonstrasse.
– Sei lá como! E eu sou Deus por acaso para prever as coisas?
Olhei para a porta do armário para ver se sairia alguém dizendo que era da produção de um programa de TV bizarro e que minha sobrinha e eu iríamos passar um final de semana num SPA para alérgicos.
– Vou passar um hemograma para você fazer amanhã cedinho. Mas só amanhã, não faça agora que você já comeu hoje.
– Um hemograma?! Você já viu como está meu olho?
Já que C. C. L. era uma Besta mesmo, resolvi tratá-lo como tal. Mostrei a hemorragia no meu olho direito – leia o histórico em “Izabelite aguda e crônica” – e pedi que passasse um remédio para o vermelho se desfazer. Se excelentes especialistas nunca chegaram a um consenso sobre minha blefarocálise, era bem possível que ele nem conseguisse pronunciar essa palavra.
– Isso aí é um pedaço de carne que está nascendo.
– Sério! Pensei que fosse alergia a poeira doméstica – comecei a bancar a besta também.
– É um pedaço de carne, mas pode ter nascido aí por alergia a pelo de gato.
Alguém da produção apareça antes que eu quebre a cara da Besta!
– Olhe, na boa, você não tem nada... Mas daqui a uma semana você poderá estar com o peito cheio... Aí se você piorar, você volta aqui. Entendeu? Você pode piorar e muito. Sabe como é? Eu não sou Deus!
– Han?! – produção cadê vocês?
– Mas posso passar uma medicação para que sua tosse não evolua – totalmente obcecado por tosse e catarro.
– Tudo bem. Você vai receitar um antialérgico injetável?
– Não, antialérgico não. Você não está com alergia. Vou passar um analgésico para suas dores nas juntas.
Prefiro não comentar a “dor na junta”. Nem o celular dele que tocava insistentemente em algum canto da sala.
– E minha dor na garganta?!
– Minha querida, isso é você quem está dizendo. Não posso passar um remédio com base no que você diz sentir.
– E meu atestado? Não dei aula hoje por causa da dor na garganta.
– Eu não vi nada na sua garganta, minha querida. Você não tem nem pus lá! Como é que eu posso lhe dar um atestado? Você está ótima!
Medi que não adiantava discutir com a Besta. De todo modo o analgésico ia melhorar minha dor na garganta até encontrar um médico de verdade.
O enfermeiro foi muito prestativo e tinha uma mão muito leve. Tomei três injetáveis na veia: um analgésico, um antiinflamatório e um antitérmico, claro. A Besta obcecada por febre, tosse e catarro!
Na farmácia entreguei a receita ao balconista e fiquei num canto reservado terminando de contar para Tallyta o enredo da consulta.
– Moça, essa receita está errada – o rapaz disse segurando o riso.
– O quê?
– A guia médica tinha que ser carbonada para ficar uma via na farmácia. Esse remédio tem a venda controlada.
Não, eu não dei um piti. Nem tive um tilt. Eu sou emocionalmente saudável! Doida é a Besta!
– De qualquer forma, moça, esse remédio está saindo de linha. Nós nem vendemos mais ele. Não sei se a senhora encontra ainda em outra farmácia...
Aquilo era o cúmulo de quê, afinal? Contei para o rapaz toda a tragicomédia e ele pode soltar o riso que estava prendendo desde o início da nossa conversa.
Voltei para a C. S. J. curada de tudo. Não estava curada, estava anestesiada. Raiva? Imagina! Eu tenho um blog! Blogueiro não se vinga, faz justiça com o próprio teclado.
O recepcionista era agora um rapaz. O inverso do atendimento da gentil Adriana. Ouviu minha história, não esboçou reação e me encaminhou para a espera sem informar nada. Lá estava apenas uma mulher bastante rouca. Saquei de papel e caneta e comecei a rascunhar essa postagem. Ninguém apareceu. Escrevendo não percebi quanto tempo esperei. Retornei duas vezes à recepção para amolar o jovem.
– Cadê o médico? Como é o nome dele?
– Você avisou ao médico que estamos esperando? Quem está lá com ele?
Quando pensei que iria dormir naquela cadeira de hospital apareceu o enfermeiro que aplicou minha medicação. Expliquei a história toda para ele que conteve o riso melhor do que o balconista. O jovem bateu na porta em frente a nós, entrou e voltou dizendo:
– O médico estava sozinho lá dentro esperando chegar paciente.
A mulher rouca, que esperava a mais tempo do que eu, partiu para o consultório esbravejando. Poucos minutos depois foi a minha vez. O clínico J. M. J. ouviu a história atentamente, verificou no sistema meu atendimento, se desculpou pelo colega, confirmou a versão do balconista sobre o remédio estar saindo de circulação, passou outro antiinflamatório e me deu o atestado do dia.
Sai de lá com duas certezas: blogar minha sexta-feira tenebrosa e sugerir que os adversários do ex-presidente parem de mandá-lo para o SUS. Se querem ver Lula morto, qualquer clínica particular dá de conta do serviço!


| 2011 |

3 comentários:

  1. Meniiiina do céu...
    Em primeiro lugar, minha cora favorita também é azul. *-*
    Em segundo, também já fui nessa clínica com crise de garganta e o doido também disse que eu não tinha nada(depois de examinar com o palito).
    Ele me deu um atestado sem o carimbo e eu tive que voltar para trocar, todos na recepção riram, como se já estivessem acostumados com as loucuras desse médico.
    Boa sorte com Juliano e melhoras, amiga!
    :*

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  2. Pelo menos um ÓTIMO FIM de semana pra você..

    kkkkkkk, se fosse comigo... sei nem o que faria, essa besta obcecada por tosse, catarro e mais e mais, nem sabia o que estava fazendo lá. DEVE ESTAR ATÉ MORTO E NEM SABE!

    "– Minha querida, isso é você quem está dizendo. Não posso passar um remédio com base no que você diz sentir."
    É PRA PASSAR UM REMÉDIO COM BASE EM QUE MESMO, no que os búzios dizem, é eles sabem a dor que eu sinto, 0.o FICO BESTIFICADO COM ESSES MÉDICOS PORCARIAS.

    Ha, Paula, espera morrer pra ver qual o teu problema de saúde...

    (kkkkkkkkkkkkkkk)

    ResponderExcluir
  3. kkkkkkkkkkkkk [Desculpa, mas não contive o riso]
    Ainda bem que pelo menos UMA coisa ele sabe: que não é DEUS!

    Já pensou se ele achasse que era Deus?

    Reflito sobre situações como essa e me esforço, todos os dias, para não ser uma médica medíocre como os que vez ou outra esbarramos por aí.

    Você pode até ter piorado depois de tanta raiva, mas - pelo menos - nós [os leitores] ganhamos um texto e umas boas risadas hahahaha.
    Beijos flor ;)

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